Reflexão e Análise do Filme The Good Lie

The Good Lie, dividido, na minha ótica, em três partes, explora a luta pela sobrevivência, o resgate e, por fim, o doloroso processo de adaptação a uma cultura completamente diferente, levantando questões emocionais, sociais e culturais profundas.
Na primeira parte do filme, vemos Mamere, Jeremiah e Paul e vários jovens a atravessar um cenário devastado pela guerra, expostos a uma pobreza extrema. Sem acesso a cuidados básicos de vida, são obrigados a improvisar para sobreviver. A sua infância está marcada por experiências dolorosas – o terror dos tiros e a visão de corpos à deriva no rio. Este sofrimento acumulado, vivido numa idade tão precoce, apresenta um alto risco de gerar traumas duradouros, especialmente pela ausência de qualquer estrutura de apoio.
Na segunda parte, as crianças são resgatadas por uma organização humanitária e, finalmente, têm acesso a roupas limpas e cuidados básicos. Surge aqui o primeiro choque cultural: os jovens, ao vestirem camisolas com slogans famosos como Just Do It, entram em contacto com uma sociedade onde bens de consumo são abundantes, mas onde, ironicamente, existe um histórico de exploração infantil na sua produção. Através da frase Just Do It senti uma ironia cruel, considerando que estes jovens nunca tiveram a oportunidade de "simplesmente fazer" o que desejam. O contacto com estes elementos da cultura ocidental começa a revelar o profundo fosso cultural e as diferenças entre a realidade que conhecem e aquela que estão prestes a enfrentar.
Na última parte do filme, alguns dos jovens são escolhidos para viajar para os EUA, uma nova vida que representa esperança, mas também novos desafios emocionais e culturais. Ocorre aqui o início de um processo longo de adaptação cultural, onde cada detalhe da vida americana é um mistério. No Kansas, enfrentam a dor da separação da irmã, enviada para outra cidade devido a "regras" que não compreendem e que lhes parecem cruéis. Esta experiência de separação e o tratamento frio e impessoal por parte das instituições reforçam o sentimento de perda e desconexão. Profissionais que deveriam facilitar a integração dos refugiados mostram-se indiferentes e desrespeitam a sua realidade e situação de vida. A consultora de recrutamento, responsável por ajudar os jovens a encontrar emprego adota uma atitude desinformada e insensível, tratando-os como um fardo e reforçando estereótipos.
Concluindo, o título do filme, The Good Lie, reflete um dilema ético e emocional: uma mentira, algo que à primeira vista carrega uma conotação negativa, pode, paradoxalmente, salvar e proteger. A trajetória de Mamere representa a ressignificação do que é uma "boa mentira", um dos conceitos centrais e mais importantes a reter no filme, na minha ótica. No início, Mamere usa uma mentira para salvar a sua própria vida, escondendo-se entre os arbustos para não ser levado pelos soldados, sacrificando o irmão no seu lugar. Contudo, mais tarde, é confrontado com uma escolha semelhante, mas agora a sua "boa mentira" assume um significado muito mais profundo. Para proteger outro irmão, decide mentir novamente, dizendo-lhe que conseguirá levá-lo para os EUA e falsificando o seu passaporte. Neste ponto, a mentira já não é uma questão de autopreservação, mas transforma-se num ato de amor, cuidado e uma tentativa de manter a dignidade e a esperança do outro, mesmo à custa da própria verdade, do que é legalmente e socialmente correto e de todos os riscos envolvidos.
Desta forma, refleti que, por vezes, uma "boa mentira" não se define pelo que se esconde, mas pelo que se preserva. A "boa mentira" deixa de ser uma proteção individual para se tornar uma expressão de sacrifício e empatia, revelando que em determinados casos, até a verdade pode ser moldada por um bem maior.
Adicionalmente, o filme mostrou-me que a verdadeira aprendizagem é mútua, desafiando o meu entendimento de progresso e civilização e revelando que o mundo ocidental, com todo o seu avanço e comodidade, parece estar fechado a uma realidade mais ampla. É curioso, tendo em conta que esperamos que a jornada de integração se dê sobretudo por parte dos refugiados, que terão de aprender e adaptar-se a uma sociedade complexa e cheia de regras que desconhecem. Tendo isso em conta, o filme apresenta uma ironia poderosa: a verdadeira adaptação e aprendizagem acontecem também do lado de quem é privilegiado e vive uma vida civilizada, visto que estes jovens, sobreviventes de uma vida de privações, ensinam-nos valores profundos e valiosos para toda a vida. No final, somos todos iguais e temos sempre algo a aprender uns com os outros.
Maria Manuel Branco